terça-feira, 16 de junho de 2015


4QMMT e as Obras da Lei


Se existe alguma ferramenta que nos ajuda na compreensão dos textos bíblicos, essa ferramenta se chama arqueologia e seu valor se torna cada vez mais importante (juntamente com o conhecimento histórico), para aqueles que escavam as sagradas escrituras em busca dos segredos ali contidos, do seu sentido original, e de como era a fé simples das primeiras comunidades que iam reconhecendo Yeshua como o messias prometido, sem as tantas contaminações que hoje nos deparamos ao olharmos para o cristianismo em geral! A cada dia, estudos e escavações estão trazendo à luz do dia mais e mais revelações sobre aquele período em que viveram aquelas pessoas e onde aconteceram os eventos narrados na bíblia. Bom, e foram justamente essas descobertas que trouxeram informações preciosas, e entre elas, está uma que ajuda a entender um texto que tem sido motivo de grande controvérsia no meio cristão, onde a interpretação tradicional afirma que Paulo, o emissário do Senhor Jesus, ensinou coisas contrárias a lei de Deus (Torah), argumentos esses, que sempre vão naquele mesmo sofisma em dizer que estamos na era da graça, que certas coisas são apenas do velho testamento, que não precisamos mais, que tudo foi encerrado na cruz, que eram sombras do que havia de vir e blá blá blá, esquecendo - se que a era da graça sempre foi desde os primórdios, onde Abrão, vivendo em Ur dos Caldeus, um povo pagão, sendo pecador e muito provavelmente tendo tido alguma experiência com a prática e conduta desse povo ( não é a toa que ao ser provado por Deus, é testado através de uma prática comum entre aqueles povos, o sacrifício humano), e ali o Eterno se achega a ele, o chama, impede que mate Isaque e da início ao processo de separação e estabelecimento do monoteísmo, constituindo uma nação para ser santa e ser luz a todos os povos da Terra.

Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra. (Gênesis 12:1-3)

Enfim, isso é um longo assunto e em outra oportunidade abordarei o tema em outro artigo, aqui focaremos em uma expressão usada pelo apóstolo Paulo, que fazem muitos entrar em parafuso, principalmente pelo fato de se isolar trechos dos escritos paulinos e não atentar para o conjunto da obra. Devemos procurar enxergar o contexto da situação em que Paulo escrevia, os seus motivos, o que estava a acontecer ali naquela comunidade, a cultura e a crença de Paulo e muitas outras coisas, somente assim, podemos penetrar na mente do escritor, no caso, Paulo, e começar a entender o que o autor queria dizer, pois o próprio apóstolo Pedro afirma que os escritos do seu companheiro eram difíceis de entender e alertava para o fato de que indoutos e inconstantes distorciam. 


E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor; como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada; falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição. (2 Pedro 3:15-16)

Vamos aos textos:
Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada. (Gálatas 2:16)

Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las. (Gálatas 3:10)

Ao se deparar com a expressão obras da lei, muitos interpretam que Paulo estava a jogar na lata do lixo, a torah e os mandamentos, como se ele tivesse rasgado as páginas do velho testamento e dito: Ta tudo liberado, é tudo graça agora, Jesus alterou tudo aquilo que seu Pai ordenou! Evidentemente, isso seria um grande absurdo, pois o próprio Paulo, afirma:

E assim a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom. (Romanos 7:12)


E o próprio Jesus:

Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim abrogar, mas cumprir. (Mateus 5:17)

Algumas versões, vertem o termo cumprir, como tornar pleno, e a palavra Lei se refere justamente a Torah! Quando não revogamos algo, entendemos que aquilo que é aceito como válido e legítimo, continua a ser válido! Talvez alguém venha a dizer: Mas Jesus cumpriu, pagou um preço alto na cruz e eu não preciso de mandamento algum! Ai o próprio apóstolo Paulo diz:

Sede meus imitadores, como também eu o sou de Cristo. (1 Conríntios 11:1)

Paulo veio com esse papo de que tudo foi cumprido e que não precisava mais obedecer? De maneira alguma! Ele se tornou imitador da forma como Yeshua caminhava e este nunca andou de forma alheia aos mandamentos do seu Pai!

Aquele que afirma que permance nele deve andar como ele andou. (1 João 2:6)

E o que dizer dos discípulos de Beréia?

E logo os irmãos enviaram de noite Paulo e Silas a Beréia; e eles, chegando lá, foram à sinagoga dos judeus.
Ora, estes foram mais nobres do que os que estavam em Tessalônica, porque de bom grado receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim. (Atos 17:10-11)


Ora, os judeus daquela sinagoga em Beréia examinavam nas escrituras aquilo que o próprio Paulo falava e não saiam aceitando tudo so pelo fato de Paulo ser apóstolo! E que escrituras eram essas que o verso se refere? Você acha que  era o Novo Testamento? Não precisamos nem comentar que era a Torah e os Profetas!

Após essa breve introdução de um assunto tão vasto e profundo, vamos agora procurar entender o que significa obras da lei. Como dito anteriormente no início deste texto, a arqueologia é de fundamental importância para um entendimento mais pleno das escrituras e é justamente isso o que acontece com o termo obras da lei! No fim da década de 40, mais precisamente em 1947, foram encontrados por pastores beduinos, nas cavernas de Qumran, no Mar Morto, centenas de textos e fragmentos, onde, cerca de 200 são bíblicos, incluindo porções de toda a bíblia hebraica, exceto os livros de Ester e Neemias, que datam de  cerca de mil anos mais antigo do que os documentos que se tinham até então. Entre as centenas de manuscritos encontrados, se encontrava um que foi batizado de MMT ou 4QMMT e que continha o título "Mikssát Maassêi ha Torá", que significa: As importantes obras da Lei, e que de acordo com o manuscrito, consistia em regras de purificação, interpretações e complementos dos mandamentos mosaicos, regras que excluiam a participação dos gentios nas atividades do templo e etc, ou seja, a coisa se tratava de um conjunto de regras, tradições e costumes humanos legalistas e não da Lei de Deus em si, e ao que tudo indica, o termo obras da lei era conhecido e bastante utilizado no século I e se referia aquele conjunto de observâncias legalistas! Os fragmentos do MMT também relatam outras práticas como: não usar tecidos em que se mistura lã e linho; não colocar debaixo do mesmo jugo animais de espécies diferentes; não semear grãos de espécies diferentes no mesmo campo; não lavar utensílios em água corrente – pois poderiam se contaminar com o que tivesse sido lavado corrente acima; etc. No Novo Testamento, temos vários exemplos desse tipo de obras da lei e para exemplificar, observemos o que ocorre em Lucas 11:37-39:

E, estando ele ainda falando, rogou-lhe um fariseu que fosse jantar com ele; e, entrando, assentou-se à mesa. Mas o fariseu admirou-se, vendo que não se lavara antes de jantar. E o Senhor lhe disse: Agora vós, os fariseus, limpais o exterior do copo e do prato; mas o vosso interior está cheio de rapina e maldade.

No episódio citado acima, vemos que um fariseu admira-se do Mestre com um olhar de reprovação, pelo fato de Jesus não ter se lavado antes do jantar. Esse costume se chama n'tilat yadayim, e a coisa já ultrapassava a mera preocupação com a higiene e passava a ter um valor de status espiritual, pela simples observância formal, mas, Jesus conhecendo o coração do fariseu, confronta não o costume em si, mas a hipocrisía daquele homem que observava o rito, mas, como o próprio verso diz, estava cheio de rapina (ou roubo) e maldade! Sabemos historicamente que a liderança religiosa daquela época e o Templo estavam corrompidos e o Senhor tinha conhecimento da situação.

Tendo Jesus entrado no pátio do templo, expulsou todos os que ali estavam comprando e vendendo; também tombou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos comerciantes de pombas. (Mateus 21:12)

Fica claro que o Senhor não era contra a lei do Pai, nem mesmo contra os costumes, certamente Jesus cumpria e observava todas essas coisas, pois o mesmo foi criado segundo todas aquelas tradições e também de acordo com a Lei e os profetas, no entanto ele não era legalista, observava todas essas coisas, mas sem o fermento do pecado e da mentira, o que tornava sua vida aceita perante o Pai e isso fica mais claro ainda nos versos adiante de Lucas 11:

.Mas ai de vós, fariseus! Porque dais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as hortaliças e desprezais a justiça e o amor de Deus; devíeis, contudo, praticar essas virtudes, sem deixar de proceder daquela forma. (Lucas 11:42)

Interessante como aqui Yeshua deixa bem claro que aqueles fariseus NÃO tinham que deixar de praticar aquelas ordenanças citadas, mas que praticassem em verdade, não desprezando a justiça e o amor de Deus. É óbvio que não estou a dizer que devemos dar dízimos da hortelã e da arruda, a realidade é outra, mas isso demonstra que nosso Messias nunca deixou de ser Judeu e jamais desprezou os mandamentos de Deus e nem sua identidade socio cultural, apenas teve peito suficiente para denunciar a hipocrisia dos líderes de seu tempo! Por que deveriamos desprezar sua verdadeira identidade?

O mesmo ocorre a cerca da exortação de Deus através de Isaías:

De que me serve a mim a multidão de vossos sacrifícios, diz o Senhor? Já estou farto dos holocaustos de carneiros, e da gordura de animais cevados; nem me agrado de sangue de bezerros, nem de cordeiros, nem de bodes. Quando vindes para comparecer perante mim, quem requereu isto de vossas mãos, que viésseis a pisar os meus átrios? Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e as luas novas, e os sábados, e a convocação das assembléias; não posso suportar iniqüidade, nem mesmo a reunião solene. As vossas luas novas, e as vossas solenidades, a minha alma as odeia; já me são pesadas; já estou cansado de as sofrer. Por isso, quando estendeis as vossas mãos, escondo de vós os meus olhos; e ainda que multipliqueis as vossas orações, não as ouvirei, porque as vossas mãos estão cheias de sangue. Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos; cessai de fazer mal.Aprendei a fazer bem; procurai o que é justo; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas. (Isaías 1:11-17)

Nos versos acima Deus está invalidando os mandamentos que Ele mesmo deu para o povo como estatutos perpétuos? Óbvio que não, apenas estar a exortar que a observância de tais preceitos sem um coração sincero e circuncidado não serve para nada! Sim, o circuncidar do coração não é coisa de Novo Testamento, aliás, é também, porém, contrariando o que muitos pensam, essa condição de aceitação de Deus para com o homem já existia muito e muito tempo antes, sempre foi assim desde a queda!

Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa cerviz. (Deuteronômio 10:16)

Quem lembra das ofertas de Caim e Abel? Ambos ofertaram e o Senhor não foi contra, mas o coração incircunsiso de Caim fez com que sua oferta não fosse agradável, algo muito semelhante com a exortação de Isaias.

Existe muito mais a se tratar sobre isso, textos que precisam ser esclarecidos a luz do conhecimento do contexto original, mas podemos concluir que as tais obras da lei citadas por Paulo não se tratavam dos mandamentos da lei de Deus, mas do conjunto de tradições humanas legalistas, sobrepostas ao mandamento, formando entulho e o deixando pesado e desagradável, algo muito semelhante aos episódios de Jesus em relação ao 4º mandamento (shabatt), que também nunca foi revogado, mas isso é assunto para outro momento, por enquanto, espero ter conseguido explanar aos leitores o que significa obras da lei! Há muito mais a se descobrir, há muito mais mal entendidos a serem desfeitos e assim como José filho de Jacó esteve no Egito com sua verdadeira identidade disfarçada até o tempo de ser revelado aos seus, trazendo salvação à sua casa, que no tempo determinado pelo ETERNO a verdadeira identidade do seu filho Jesus seja revelada ao seu povo, aos que tem interesse em ver sua verdadeira face!

Abaixo deixo um vídeo muito interessante, que esclarece muita coisa sobre essa questão da lei e antes que o preconceito impeça que o leitor assista ao vídeo, eu digo de acordo com o próprio vídeo: Não tem que ser Judeu para ser salvo! 




Shalom a todos e que haja paz em Jerusalém!

Jonatan Sampaio


Fonte:
Bíblia Judaica Completa - David Stern
Bíblia King James
Bíblia Almeida Corrigída e Revisada Fiel
http://ensinandodesiao.org.br/artigos-e-estudos/
http://www.arqueologia.criacionismo.com.br/2007/04/as-obras-da-lei.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuscritos_do_Mar_Morto